[ESPECIAL] Tiné e a música, uma parceria que deu certo
Música, segundo o dicionário: " Combinação sonora harmoniosa e expressiva, a arte de se exprimir por meio de sons, seguindo regras variáveis". Para José Henrique Neto, mais conhecido como Tiné - vocalista das bandas Academia da Berlinda e Orquestra Contemporânea de Olinda - , o encontro com a música aconteceu muito cedo, logo aos 16 anos, momento onde ficou evidente que a sua relação com a arte não seria algo passageiro. Tirando suas primeiras notas com o violão e estudando bastante, Tiné descobriu inspiração e já iniciou suas primeiras composições, ainda na adolescência. "Comecei a estudar música bem moleque, já aos 6 anos, mas não me interessei muito.
Dez anos depois fui aprendendo a tocar violão através de um primo meu. Já nos meus primeiros acordes comecei a compor minhas primeiras músicas", relembra.
Com raízes fincadas em sua terra natal, a cidade de Arcoverde, localizada no interior de Pernambuco, Tiné revela que descobriu a música local do município no mesmo período que surgia o movimento manguebeat. O Coco de Arcoverde é um exemplo de referência em seu trabalho. Já no primeiro disco de sua carreira, o "Segura o Cordão (2004), isso fica bem claro. “O meu primeiro trabalho foi totalmente voltado para a música regional, popular, mas sobretudo a música arcoverdense, mostrando a força da cultura popular interiorana”, afirmou.
Licenciado em Música, pela Universidade Federal de Pernambuco, Tiné tem como forte característica ser um estudioso da sua profissão. Uma experiência que comprova isso, foi um fato muito marcante em sua carreira, o intercâmbio que fez em Portugal no ano de 2004. Na europa ele trocou experiências com músicos espanhóis, portugueses e equatorianos. “Tinha brasileiros, equatorianos, portugueses e espanhóis, que se encontravam para fazer esse intercâmbio sonoro. Levei meu disco (Segura o Cordão), bombei vendendo em euro, foi uma rica experiência”.
AS CIDADES DE TINÉ
Foi com 1 ano de idade que ele chegou de Arcoverde para a capital, Recife. As duas cidades estão até hoje presentes no seu repertório, na sua forma de compor e até no seu estilo de vida. Mas uma outra cidade tem lugar especial na sua trajetória, é a inspiradora e bela, Olinda, lugar onde o artista escolheu para morar.
Reprodução: Facebook
Tiné conta que o que chamou sua atenção de primeira foram os músicos olindenses. O percussionista Gilú Amaral, foi o grande responsável por aproximá-lo da cultura olindense e convidá-lo para fazer parte da Academia e da OCO. “Fui a um ensaio da Berlinda, não me recordo se cantei naquela ocasião, mas logo em seguida Gilsinho (Gilú), disse que os meninos estavam me convidando para integrar a banda, aceitei na hora”, comentou. O mesmo aconteceu quando o amigo percussionista saiu da Academia e resolveu fundar junto ao Grêmio Musical Henrique Dias, a OCO, levando Tiné também para a big band. “Olinda tem essa característica de receber muita coisa de fora, então é uma cidade que está sempre recebendo e se renovando, isso também me chamou atenção”, comentou com muito carinho. Tanto Academia da Berlinda, como a Orquestra Contemporânea são bandas fundadas pelos músicos da cidade.
COMPOSITOR, DE ARCOVERDE, DO MUNDO
Marcando presença em diversos palcos no Brasil e no mundo, Tiné participou de festivais nacionais de renome, como o Abril Pro Rock e o Recbeat, até os internacionais Lincon Center e Global Festival, em Nova York. Como compositor ele também tem do que se orgulhar. Algumas de suas músicas estão em trilhas sonoras, como nos filmes Deserto Feliz de Paulo Caldas, Baixio das Bestas de Cláudio Assis, O Palhaço de Selton Mello e no seriado da Rede Globo, Chapa Quente.
Em sua carreira, o músico já soma oito trabalhos. Dois autorais: Segura o Cordão (2004) e Tiné, Equilibrista (previsão de lançamento para o final de 2016), três com a Orquestra Contemporânea: Orquestra Contemporânea (2008), Pra Ficar (2012) e Bomfim (2015) e outros três com a Academia da Berlinda: o homônimo Academia da Berlinda (2004), Bem Melhor (2011) e Nada Sem Ela (2016) .
Reprodução: Facebook
Sobre o Nada Sem Ela, ele comentou que o amadurecimento musical dos músicos e o trabalho dedicado, compondo músicas em um sítio na Cidade Tabajara, tiveram fortes influências no resultado do álbum.
ENTREVISTA
R: Como a música entrou na sua vida?
Tiné: Comecei a estudar música aos 6 anos, iniciei com teclado, teoria musical. Mas não me interessei muito. Foi aos 16 anos, que comecei a tocar violão através de um primo meu e outro amigo. A partir daí, minha mãe comprou um violão e quando eu aprendi os primeiros acordes, já estava compondo minhas próprias músicas. Passei um bom tempo aprendendo a tocar com revistas, foi aí que começou as minhas primeiras apresentações em barzinhos. Depois disso comecei a ter mais interesse de fazer música autoral, porque em barzinho a pessoa toca mais MPB. Foi quando descobri a cena de Olinda e comecei a trabalhar com a banda, a Mãe Joana. Fiz vestibular, passei em música na UFPE e fui me dedicando. Em 2004 entrei na Academia da Berlinda, depois na Orquestra Contemporânea de Olinda…
R: Como foi o convite para fazer parte dessas duas bandas?
Tiné: Quando acabou a banda que eu participava chamada Mãe Joana, o trabalho autoral da banda era praticamente meu, quase todas as músicas eram minhas. Ai coloquei na cabeça que precisava registrar esse material. Fui aprendendo a gravar com as demos em vários ensaios. Tinha uma banda que eu admirava muito aqui, chamada Chão e Chinelo, que Maciel Salú participava. Convidei Capaça, violeiro da Chão e Chinelo para arranjar meu disco solo. Mostrei o trabalho a ele e nem esperava que ele fosse aceitar. Era uma coisa tão longe pra mim. Ele gostou do material e topou. Passamos três anos, de 2000 a 2003, desses três, dois foram só fazendo os arranjos.
Quando acabou o disco em 2004, fui fazer um intercâmbio em Portugal através da Universidade Federal. Tinha brasileiros, equatorianos, portugueses e espanhóis, que se encontravam para fazer esse intercâmbio sonoro. Levei meu disco, bombei vendendo em euro. Quando voltei, tava tendo ensaio da Academia da Berlinda na casa de um amigo nosso. Conversamos, ficamos ali curtindo, não lembro se cantei algo, ai Gilsinho falou que a galera fez o convite para que eu integrasse a banda. Quando eu entrei a Berlinda era muito de cover. Começamos a fazer nossas próprias músicas e buscamos produzir nosso próprio disco. Quando foi em 2006, Gilsinho saiu e idealizou a Orquestra e me convidou de novo em 2007, a resposta não poderia ser outra, topei novamente.
Em apresentação com a Orquestra Contemporânea de Olinda
R: Você nasceu em Arcoverde, a cultura de lá te influencia de alguma forma?
Tiné: Total. A relação com a música de Arcoverde já veio quando estava adulto. Foi depois do manguebeat, depois do Cordel do Fogo Encantado, que eu comecei a ver quanta coisa boa tinha lá, como o Coco de Arcoverde, entre outros cocos que tem lá e são muito bons. O próprio Mário de Andrade quando passou na década de 60 mapeando os pontos de cultura das músicas populares de Pernambuco ele já viu que tinha uma música forte lá, de raíz.
O meu primeiro disco, de 2004, Segura o Cordão, ele é totalmente voltado para a música regional e popular, sobretudo de Arcoverde. É como se fosse uma releitura minha em cima da música da minha cidade. Tem uma música chamada tradição oral, aquela coisa de ser passado de pai para filho.
Fizemos três shows com esse disco, tinha apenas 22 anos na época, com uma banda de oito pessoas, o trabalho tinha muitos arranjos. Na época não tinha como custear shows, ensaios, produtor e terminei abandonando o Segura o Cordão.
R: Outra cidade que você tem uma relação muito próxima é Olinda, que te acolheu musicalmente. Qual o grau de afetividade com a cidade e o quanto ela serve de inspiração?
Tiné: A primeira coisa que me chamou atenção em Olinda foram os seus músicos. Foi em Seu Rainha, na Rua da Moeda, que toda sexta feira a galera se encontrava com seus instrumentos para tirar um som. E ai comecei a conhecer os músicos da cidade lá. Isso me trouxe pra cá, fui ao longo do tempo idealizando projetos com essa turma e comecei a frequentar bastante a cidade alta. Morava em Boa Viagem mas estava sempre por aqui. Isso criou um laço forte. Depois comecei a ver várias coisas em Olinda. De como a arte está em vários aspectos, não só na parte musical. O Sítio Histórico também se assemelha com interior, aquela coisa de cadeiras na calçada, me lembra muito Arcoverde. Olinda tem essa coisa de receber muita coisa de fora, então é uma cidade que está sempre recebendo e se renovando, isso também me chamou atenção. Morei em Bairro Novo, depois voltei para Boa Viagem e agora estou morando aqui no Amparo.
R: O que mais te marcou nessa carreira de músico?
Tiné: Tem muitas coisas, cada trabalho tem algo diferente. Com o Segura o Cordão (disco reconhecido por Dayvid Byrne - ex Talking Heads) e por outro produtor japonês chamado Makoto Tumota que colocou músicas minhas na coletânea dele. Makoto é um cara importante, trouxe uma cantora de lá para a gente trabalhar quatro músicas pra ela. Até hoje ganho direitos autorais do Japão com esse meu trabalho, através da associação dos músicos de lá. Tem Universidade no Japão que dar aula com esse meu disco.
Teve o intercâmbio, entrar na universidade, a Mãe Joana…Veio a Universidade, que apesar de ser um curso de licenciatura, abriu minha cabeça para várias coisas. Quando voltei de Portugal, em pouco tempo Maciel me convidou para ir a França com ele, representar o Brasil. Em seguida Academia da Berlinda, onde fomos ganhando um grande público e Orquestra Contemporânea de Olinda que é uma banda muito especial pra mim. Um marco com a OCO foi a indicação ao melhor show do ano em 2008 concorrendo com Caetano Veloso e João Gilberto, fomos indicado ao Prêmio da Música Brasileira, depois ao Prêmio Latino. São muitos momentos marcantes, apontar um fica difícil.
R: Qual o viés do seu mais novo trabalho, Tiné Equilibrista?
Tiné: O título do disco ele está em vários aspectos. Na parte musical, o equilíbrio entre a música eletrônica e a música orgânica. Ele tem muita base eletrônica e muitos instrumentos orgânicos. Na temática das letras, fala da questão do equilíbrio do planeta. Falamos de transgênico, da alimentação, que estamos se alimentando de veneno e ele vem para dar um sinal. Os políticos têm com o discurso que tem que ser assim, fala de agrotóxico. Tem uma música chamada A máquina. Nela abordo a questão da produção em grande escala gerada pelo capitalismo, onde tudo envolve o tempo. Na questão do que foi produzido em estúdio, outras em casa. Muita coisa foi produzido em estúdio e outra parte em casa e vejo equilíbrio nisso também.
Tiné se apresentando com a Academia da Berlinda (Reprodução: Facebook)
Passei doze anos sem fazer nada solo, então eu tinha muita música produzida e tinha tentado fazer projetos várias vezes para sair um disco. O artista é o equilibrista, fazendo a coisa do jeito que está. O show é outro fator equilibrista.No show dele vai ser eu e mais três músicas, com uma trilha tocando. uma parte vai ser mecânica e outra parte eletrônica. Então tem a questão do equilíbrio também nesse ponto do show. Já montei uma banda enxuta para continuar no conceito, porque um artista equilibrista só pode ter três músicos e não com sete, oito pessoas. Eu vivo me equilibrando em vários projetos.
R: Comente sobre o Nada Sem Ela , cd recém-lançado da Academia da Berlinda…
Tiné: A gente acertou em várias coisas nesse disco. O momento de evolução musical é nítido nesse disco. Acertamos também, porque quando fomos pensar em produzir o disco, passamos mais de dois meses se juntando quase todo dia e parando pra fazer música. Fizemos mais de 70 músicas, escolhemos as melhores e começamos a arranjar, a coisa ganhando corpo. E aí tivemos uma grande sacada. Convidamos os nosso técnicos de P.A e Monitor, Fumato Snaidefight e Adriano Duprat Lemos, dois caras que sabem muito e somaram demais. Foi a melhor escolha que poderíamos fazer, além de nos acompanhar, são caras que tem conhecimento muito grande”.