[COLUNA REPRESENTATIVIDADE POLÍTICA: Um sistema em crise e que encontra os seus limites
O contexto é necessário, por mais que seja óbvio. Representatividade política significa um indivíduo ou uma entidade que represente politicamente os interesses de um determinado grupo ou classe social. Esse representante, no caso do nosso país, é eleito de dois em dois anos em escalas nacionais/estaduais e municipais, na chamada “democracia representativa”.
A grande questão é que cenário mudou, e não é de hoje. No final do século passado, a democracia representativa no Brasil encontrou o seu ápice. Em 1994, a concentração eleitoral do canarinha se encontrava em dois grandes grupos ideológicos: um de centro-esquerda (representado pela estrela do PT) e outro de centro-direita (representado pelos tucanos do PSDB).
No ano do tetra mundial, os índices de filiação partidária entre o eleitorado brasileiro eram os maiores do mundo (com cerca de 10% da população jovem votante ligada a uma agremiação política) e o comparecimento as urnas girava em torno de 80%. Naquele mesmo ano, uma pesquisa apontava que 46% dos eleitores se identificavam com algum partido político.
Mas houve um desgaste natural, acelerado pela descoberta de esquemas de corrupção e medidas econômicas bruscas, e que teve como ponto alto as manifestações de 2013.
É certo dizer apontar aquele momento como determinante para este cenário de crise na representação política nacional. O lema “Sem partido” foi adotado durante o mês de Junho daquele ano, em meio a Copa das Confederações, e os reflexos foram sentidos de forma (quase) imediata. Após as eleições de 2014, a Câmara dos Deputados saiu de 11 para 28 partidos representados, tudo isso acompanhado de uma guinada significativa dos ideais conservadores, através do crescimento de pequenas legendas ligadas à ala de oposição a turma da canhota.
Esse momento conturbado tem como principal característica justamente o oposto daquilo encontrado em 1994: o constante aumento do número de eleitores que não se identificam com nenhum partido político; altas taxas de volatilidade eleitoral; queda nos índices de participação eleitoral, que ganhou um grande exemplo com as taxas de abstenção registradas em todo o país no último final de semana de plebiscito municipal (Rio de Janeiro com quase 2 MILHÕES DE ABSTENÇÕES); e a emergência de formas alternativas de ativismo/representação política.
Mas calma: se houve uma diversificação de partidos, teoricamente há uma maior representatividade popular, certo?
Errado. Pelo menos no nosso caso.
Essa orgia partidária no Brasil, com legendas nascendo das mais diversas naturezas e com espécimes raros da fauna política em sua liderança nacional, poderia sim ter um efeito muito forte dentro do cenário da representação pública, mas as atitudes não mudam. Nenhum deles apresenta uma real mudança quando finalmente alcançam o poder, tendo como fator agravante as alianças (com outras legendas; algumas delas contrárias a propósitos bases daquele partido) feitas para que projetos/ações sejam aprovadas. Sem falar, claro, nos casos de corrupção, já defenestrados e seletivamente execrados, que atingiram 99,9% das legendas da república.
Mas vamos aos números. Em contraste com a pesquisa de 94’, atualmente 74% dos brasileiros afirmam não ter identificação com nenhum partido, e pior: os partidos políticas são as organizações menos confiáveis para a população. Ou seja, em 26 anos temos um cenário COMPLETAMENTE AVESSO.
Mas calma, o voto ainda tem poder. Claro que tem, óbvio. O problema é que o eleitor perde(u) a identidade com o voto, vendo os partidos se engalfinharem, e muitas vezes serem hipócritas com seus ideais, em busca desse voto, como mercadores em busca de clientes.
E talvez seja nesse ponto que nos deparamos com outro grande questionamento. Já que os partidos são “instituições falidas” para a população, a representatividade passa a ser quanto ao indivíduo/candidato, independente de uma vida pregressa no âmbito da política (não entenda que uma carreira política seja necessária para que aquele candidato seja qualificado).
Tomemos por exemplo a cidade do Recife. No último domingo, dia de eleições municipais, os três candidatos mais votados a câmara de vereadores tem suas propostas e valores ligados a comunidade religiosa. A mais votada, inclusive, já chegou a dizer publicamente que a mulher deveria ser submissa ao homem (que ironia, não? Justamente em uma cidade que vive um surto de estupros/assédios sexuais contra mulheres, esta é a vereadora mais votada).
Mas aí você pensa: “Mas poh, tamo falando de uma democracia representativa. Qual o problema de uma religiosa ser eleita?”.
Nenhum, ué! Absolutamente nenhum!
Não vamos agora eleger agora somente os políticos ateus. A questão é que existe uma diferença gigantesca entre garantir direitos e impor direitos. Estes candidatos, como dito anteriormente, tem propostas para a capital pernambucana baseadas em valores/crenças de cunho religioso. Um desses três mais votados, inclusive, usa o slogan “em defesa da família”, e aposta ações baseadas em um suposto “estatuto da família”.
É necessário que tenhamos representantes de todas as classes, cores, crenças e valores, justamente para que haja essa representação, para que haja a garantia que todos possam exercer os direitos e crenças, para que haja bem estar social, acima de (nesse caso) qualquer Deus que esteja no céu. Podemos enxergar estes acontecimentos/políticos eleitos como reflexo desse declínio da representatividade.
E mesmo assim, prezando o indivíduo acima do partido, ainda nos falta representação. Ainda falta a voz da mulher ser ouvida, a voz do negro ser ouvida, a voz do homossexual ser ouvida, a voz do umbandista ser ouvida, a voz da periferia ser ouvida, a voz do professor ser ouvida, a voz do estudante ser ouvida, a voz do ativista cultural ser ouvida, e etc.
Reoxigenar este sistema é necessário e fundamental. Acredito que o principal meio para que isso seja alcançado é se aproximar do jovem tecnologicamente desenvolvido, compreendendo e agregando as suas maneiras de ativismo político, sendo a internet a principal delas. Mas não se aproximar como a rafaméia política da MBL, muito pelo contrário, compreendendo os anseios e desenvolvendo um pensamento crítico (seja ele de direita ou de esquerda, contanto que seja fundamentado) ao lado dessa porcentagem tão importante da nação.