Recife e suas contestadas políticas culturais
Foto: Catraca Livre
Há 16 anos cumprindo papel sociocultural de politizar o seu público por meio de campanhas e intervenções de empoderamento e respeito ao povo negro, enaltecendo a cultura negra que se mantém viva até hoje e propagando as religiões de matriz africana, podemos considerar a Terça Negra um movimento político, cultural e religioso de grande valia para o estado de Pernambuco.
Mas ninguém falou que fomentar cultura por aqui é tarefa fácil. Muito pelo contrário, sempre foi um grande desafio para produtores, músicos e artistas das mais variadas manifestações artísticas. Essa luta árdua não é diferente para a Terça Negra. Desde 2001 no Pátio de São Pedro, o festival conseguiu se manter com presença constante até o ano de 2008. Com uma estrutura de palco fixo, som e iluminação de qualidade, várias bandas mostravam seu trabalho todas as terças-feiras do mês. De reggae ao afoxé, do maracatu ao coco de roda, passando pelo Hip Hop e o Samba Reggae, todos esses estilos de herança africana, fazendo parte da festa. Com uma ressalva estabelecida pelo organizadores: os ritmos tem que ter raízes africanas! Nada mais justo, já que os maiores responsáveis pelo surgimento da Terça Negra foram os militantes do Movimento Negro Unificado.
Demir da Hora, um dos produtores do Festival, comenta que os melhores momentos da Terça de fato aconteceram entre 2001 a 2008. "Nessa época sentimos a evolução total da cultura negra. Grupos de afoxés, maracatus, coco, se multiplicavam nas comunidades, grupos esses que antes só tocavam no carnaval.", afirmou com saudosismo. Segundo ele, essa movimentação no Pátio gerava um ótimo fluxo de pessoas, trazendo bons frutos não só para a cultura local, mas para o turismo da cidade.
Uma das dificuldades encontradas pelo produtores, foram as diminuições das terças por parte do atual governo da cidade do Recife. "O governo atual diminuiu bastante. No ano passado caiu de 4 para 2 terças e agora só temos uma no mês. A escolha da terça-feira em cada mês varia de acordo com datas comemorativas. Demir explica que a prefeitura justifica a diminuição dos dias colocando a crise como principal adversária da gestão. Ele ainda afirmou que até os responsáveis pelo som tem dificuldades para receber o cachê, como acontece com os artistas nas festas sazonais da cidade.
Outra demanda colocada por quem faz a Terça Negra é o fato da insegurança que assombra o local onde são realizados os shows. "Segurança pública é um direito do cidadão e um dever do estado, e é o que falta. Falta policiamento, a gente não quer nada demais e isso nos é negado", lamenta Demir.
Nesses 16 anos que participa da Terça Negra ele garante que não chegou a ver 15 brigas. Em contrapartida acontece assaltos e vários transtornos no entorno do Pátio e se faz necessário a intervenção da Polícia Militar. Para ele a Guarda Municipal deveria prezar pelo espaço público. "Além da segurança, reivindicamos a preservação do patrimônio público."
Hoje a Terça Negra pode ser considerada um movimento colaborativo. Sobre a estrutura financeira, Demir contou que a Prefeitura paga o som, a empresa de transporte Borborema desde que o festival existe, patrocina com o transporte dos músicos, o Movimento Negro Unificado se envolve na produção de forma voluntária e os artistas também se apresentam da mesma forma, pois o evento é uma vitrine para divulgar o trabalho de cada um deles.
Demir garante que o amor e o prazer de fazer a cultura acontecer e ter a certeza de que nunca estão sozinhos é o que não faz ele desistir. "As entidades e grupos sempre nos apóiam. Nós passamos um mês no Ocupa Minc, fizemos a parceria, uma ONG arrumou o Som e lotamos a rua do Bom Jesus". E continua, com o entusiasmo de quem começou ontem: "A resistência é cultural, é dos artistas, nós só estamos colaborando com a produção. Enquanto tiver alguém com vontade de produzir e outras pessoas com os instrumentos, a música acontece." O projeto se manteve suspenso do dia 26 de julho até o término do pleito eleitoral. Neste período a Fundação de Cultura da Cidade do Recife ficou proibida a partir do dia 16 de julho de contratar shows artísticos pagos com recursos públicos (Lei 9.504/97 art.75).
A PREFEITURA NÃO RESPONDEU
Comprovando a falta de comprometendo com a cultura recifense, as secretarias municipais e o Núcleo da Cultura Afro Brasileira (Responsável por desenvolver projetos e ações de entidades da cultura negra no Recife) encarregados de responder os questionamentos da reportagem, não se pronunciaram sobre o caso. Procurados, a Fundação de Cultura repassou a demanda para a Secretaria de Cultura, que por conseqüência disponibilizou o contato do Gestor do Pátio de São Pedro, que por sua vez, repassou a responsabilidade em ser a voz oficial sobre a Terça Negra, para o Núcleo da Cultura Afro. E pasmem, o gestor responsável por responder as perguntas não estava no local de trabalho, às 10h da manhã de uma sexta-feira, horário normal de expediente. Não sabemos por qual motivo estão protelando tanto para esclarecer alguns fatos a população.
Seria interessante que não só os simpatizantes da Terça Negra obtivessem respostas, mas sobretudo os agentes culturais envolvidos no Festival pudessem ter a oportunidade de ficarem cientes o que de fato aconteceu para a Terça Negra receber esse tipo de tratamento por parte da Prefeitura do Recife.
Se tratam dessa maneira uma simples reportagem para a Universidade, o que dizer do tratamento dado o ano inteiro aos produtores e artistas da cidade?
A SITUAÇÃO DOS EQUIPAMENTOS DE CULTURA DO RECIFE
O local que acontece a Terça Negra também não tem privilégios quanto ao tratamento dado por parte dos gestores públicos. Hoje, o Pátio de São Pedro se encontra em uma situação degradante. Um espaço histórico da cidade, sem nenhuma manutenção, com paredes pichadas e de pouca atração turística. O reflexo desse isolamento encontramos lá mesmo no Pátio, em um equipamento cultural que está amplamente esquecido. Estamos falando do Memorial Chico Science. Com paredes mofadas, ar condicionados precários e nenhum conforto para o visitante, e pior, com o acervo do músico de uma pobreza sem tamanho o espaço nunca foi proporcional diante da grandeza do artista. Foi graças ao movimento encabeçado no ano de 2015 pelo Coletivo Raízes do Mangue, artistas locais, fãs do cantor e com o apoio jurídico do Centro Popular de Direitos Humanos, que todos os envolvidos na luta pelo Memorial obtiveram uma vitória parcial, já que o equipamento será relocado para a Cruz do Patrão, em Santo Amaro, (acordo firmado entre as Secretarias de Turismo e Lazer do Estado e Município, com a banda Nação Zumbi e a filha do músico).
Não tão distante do bairro de São José, vamos até a Boa Vista e temos mais uma comprovação do descaso cultural na capital pernambucana. O centenário Teatro do Parque, prometido por muitas gestões que teria sua inauguração realizada, encontra-se de portas fechadas há mais de 10 anos.
Na visão do Professor de Sociologia da Universidade Católica de Pernambuco, Nadilson Silva, a decadência dos espaços e equipamentos públicos é um reflexo do estado de abandando e violência presente na cidade do Recife. "Acho que nos não temos política cultural e sim marketing cultural. Ela só aparece nos grandes eventos para atrair turistas. Não ha incentivo para integrar a terça negra como atividade permanente para os visitantes da cidade", afirmou.
Ele ainda contextualiza, dizendo que os próprios recifenses das classes alta e media ignoram a cultura negra e o Pátio de São Pedro, com essa desinteresse de uma elite social, os gestores não priorizem.
O projeto Som na Rural, palco de discussões políticas importantes sobre a cidade de Recife, vem sendo alvo de perseguição por parte da CTTU. Em 2014 o guincho da Companhia de Trânsito chegou para acabar com a intervenção cultural que seria feita na Rua da Aurora. O argumento é de que o carro estava estacionado onde não deveria.
Com posições políticas bastante claras, o tradicional automóvel da década de 70 parece andar incomodando a atual gestão. Para o Produtor Cultural, Roger de Renor, a Lei Municipal de Incentivo à Cultura não sai do papel e os agentes culturais continuam a mercê. A construção de um política cultural é inexiste. Segundo Roger, o Recife está sob ataque: "Nós temos uma política de balcão, de toma lá da cá".
Foto: Leia Já
"Os produtores e artistas estão sem diálogos com a gestão, nós estamos na mão da negociata e como eles não entendem e não constroem a política, ficam fazendo política partidária, pois não são do ramo da cultura, são de empresas. E quando nós temos posições políticas, como o Som na Rural que é a favor de uma cidade horizontal, a favor do Estelita, contra a higienização da cidade, nos tornamos inimigos. Nós tínhamos que ter diálogo, para saber como a gente trata isso na vida cultural. Nós somos inviabilizados e tratados como inimigos, comenta o agitador cultural".
A transversalidade entre as Secretarias de Cultura e Turismo foi outro ponto tocado por ele. Em sua opinião, as pastas poderiam trabalhar em conjunto. " O Turismo é que empreende, quando devia saber o que é está se fazendo para acompanhar uma política de cultura, sónão existe política cultural".
Roger garante que a política partidária é temporária, diferente da cultura do estado: "Eles são de 4 em 4 anos e a cultura não. Ela vem de muito tempo e vai de muito longe, a cultura é muito maior".