[COLUNA] ZEPHs E as políticas de preservação urbanística do Recife
“Art. 14 - Consideram-se Zonas Especiais de Preservação do Patrimônio Histórico-Cultural - ZEPH -, as áreas formadas por sítios, ruínas e conjuntos antigos de relevante expressão arquitetônica, histórica, cultural e paisagística, cuja manutenção seja necessária à preservação do patrimônio histórico-cultural do Município.”
A Prefeitura do Recife descreve dessa maneira as ZEPHs em seu portal na internet. Ainda de acordo com o site, a cidade detém cerca de 33 zonas como esta descrita no artigo acima, instituídas entre 1979 e 1980 e espalhadas por toda o município. Entretanto, ao contrário do que se prega, as transformações urbanísticas da capital pernambucana acabam por derrubar todo e qualquer conceito teórico aplicável desta norma, degradando paisagens e estruturas já preservadas.
O que define ou norteia qualquer lei de preservação internacionalmente são as discussões e recomendações da UNESCO, nas quais o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) faz parte. Acontece que da década de 80’ para cá, pouco se debateu ou mudou em relação à preservação e conservação dos cenários históricos brasileiros, e o Recife é uma das cidades em maior defasagem.
Entre novas informações, conceitos e práticas discutidas ao longo dos últimos 36 anos, três documentos internacionais se fazem imprescindíveis no entendimento do atraso recifense em relação ao zelo por sua riqueza cultural e as possíveis resoluções para tal problema: a “Recomendação Europa” (1995), as “Recomendações sobre a Paisagem Histórica Urbana” (2011) e a “Carta Nizhny Tagil” (2003). Estes artigos nos permitem compreender a discrepância entre as pretensões dos movimentos que surgem em redes sociais e o seu entendimento quanto ao tema.
É mais ou menos assim: é compreendido, até mesmo por estas leis da década de 1980, que a preservação e a conservação dos cenários de ZEPHs se faz necessário, mas os inúmeros debates e discussões que aconteceram nessas últimas três décadas, tanto aqui como lá fora, comprovam que esse esforço não é o suficiente. A “Recomendação Europa” mostra justamente que é fundamental traçar uma estratégia de proteção as paisagens culturais e desenvolvimento conduzido dos outros cenários da cidade, promovendo uma convivência harmônica daquilo que é parte do passado e do presente.
PRESERVAÇÃO ≠CONSERVAÇÃO É comum utilizarmos estas duas palavras como sinônimos no dia a dia, mas na verdade se tratam de conceitos distintos. Tratam-se de duas correntes ideológicas que surgiram nos EUA, em meados do século XIX.Enquanto o preservacionismo prega pela proteção da natureza independentemente de seu valor econômico e/ou utilitário, o conservacionismo prega o uso racional da mesma natureza, promovendo um manejo criterioso por nós seres humanos.
[endif]--O conceito pontual dessa paisagem tão citada pela “Recomendação Europa” é descrita no próprio documento como “um triplo significado cultural, definido e caracterizado da maneira pela qual determinado território é percebido por um indivíduo ou por uma comunidade; dá testemunho ao passado e ao presente do relacionamento existente entre os indivíduos e seu meio ambiente; ajuda a especificar culturas e locais, sensibilidades, práticas, crenças e tradições”. Temos muitos locais como esse na Veneza Brasileira.
Tendo isso em mente, é inevitável traçar um paralelo com as “Recomendações Sobre Paisagem Histórica Urbana”, publicado pela própria UNESCO e talvez o mais importantes entres os três citados. O documento mostra não só problemas que abrangem o Recife, mas toda e qualquer metrópole mundial, deixando claro a necessidade daquela estratégia citada anteriormente.
O crescimento populacional nos grandes centros urbanos faz com que haja um “boom” na densidade construtiva civil de áreas como a nossa cidade. Esse crescimento desenfreado tende a afetar justamente estes cenários históricos, os patrimônios que buscam ser preservados e conservados. Por isso é preciso um planejamento prévio.
“3. O patrimônio urbano, incluindo seus componentes tangíveis e intangíveis, constitui um recurso fundamental na melhoria da habitabilidade das áreas urbanas e promove o desenvolvimento econômico e a coesão social num ambiente global em constante mudança. Como o futuro da humanidade depende do planejamento e gestão eficazes de recursos, a conservação tornou-se uma estratégia para alcançar o equilíbrio entre crescimento urbano e qualidade de vida numa base sustentável.” – excerto retirado do documento original em questão (http://psamlisboa.pt/wp-content/uploads/2014/03/UNESCO_RECOMENDACAO.pdf)
Essa nova abordagem permite que as normativas sejam atualizadas em prol da diversidade cultural e criatividade como extremamente necessárias justamente para o tão desejado progresso humano, social e econômico.
O último documento acaba por ser um complemento. A “Carta de Nizhny Tagil”, que faz referência justamente a cidade russa de Nizhny Tagil, que fica próxima a virtual fronteira da Europa com a Ásia. O município serve de título por ser um exemplo claro daquilo que é pregado como recomendação neste documento.
Nizhny Tagil surgiu em 1696 graças a uma pedreira de minério de ferro. Devido ao cenário e aos produtos que saiam do local para toda a Rússia, a cidade foi um dos símbolos da industrialização do Kremlin, e até hoje é uma das grandes produtoras mundiais de ferro, aço e outros metais.
Devido a exploração precoce, toda a localidade detém prédios antigos e construções que datam dos séculos passados. A Carta em questão prega que exista uma preservação também desse patrimônio industrial, pois este é capaz de contar a formação de uma cidade, capaz de contar história por si só.
O Recife se encaixa também nesse perfil por ser uma cidade portuária; um centro importador e exportador de mercadoria até os dias atuais. Por ser uma das principais portas do Brasil com outros países, o século XIX logo permitiu a industrialização da cidade, sendo a primeira do nordeste a ter fábricas urbanas. Um exemplo clássico é a Fábrica Tacaruna, construída pela Companhia Industrial Açucareira em 1895, e que hoje apresenta um cenário de abandono.
Torna-se óbvio que o patrimônio cultural da cidade do Recife é rico, mas igualmente mal administrado. As ZEPHs apresentam significados que nem sequer são levados em consideração, seja por um atropelo por parte de empreiteiras ou interesses. É crucial prezar e pregar por uma atualização nos conceitos de preservação e conservação da nossa riqueza cultural material, e os cenários urbanos históricos representam uma exposição viva do passado. Afinal de contas, nada é uma cidade sem memória.
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