[ESPECIAL] Explicando as metáforas de Chico Science – Parte II
AINDA SOBRE O DA LAMA AO CAOS
Mesmo encontrando algumas dificuldades na produção do disco, tendo o produtor Liminha a difícil tarefa de encaixar as batidas dos tambores, passando pela inexperiência em estúdio dos músicos da Nação Zumbi, o disco Da Lama ao Caos deixou na rapaziada aquele gostinho de que poderia ter sido melhor.
Driblando as adversidades o álbum não deixou de fazer sucesso com a crítica e o público. Duas das suas faixas estiveram presentes em trilhas de novela, além disso, o disco figurou na 13ª posição dos 100 melhores álbuns da música brasileira em uma lista divulgada pela Revista Rolling Stones no ano de 2007. A primeira produção da banda é sem dúvida alguma emblemática e tem seu lugar reservado na música mundial.
AFROCIBERDELIA
Um ano depois de lançar o primeiro trabalho, eis que em 1995, com mais experiência em estúdio e com maior reconhecimento artístico, surge à oportunidade de Chico e a Nação Zumbi produzirem um trabalho mais conceitual. Da Sony partiu a livre escolha para a banda indicar o produtor que quisesse. O nome selecionado foi o do então guitarrista do Professor Antena, Eduardo BiD. A responsabilidade caiu sobre ele que não deixou por menos e correspondeu à altura produzindo um grande trabalho. Na base de muita parceria, sincronismo e brodagem, o resultado todo mundo já conhece, não poderia ser outro. Afroceberdelia recebeu disco de ouro, os caras fizeram uma turnê pela Europa e tiveram um grande sucesso de vendas.
JUNHO DE 1996 – Data de lançamento do disco. A junção dos nomes África + Cibernética + Psicodelia fez nascer o segundo CD da banda.
Afrociberdelia comemora em 2016, 20 anos do seu lançamento.
Para não perdermos o foco do nosso especial, vamos direto ao ponto. Hoje buscaremos entender as metáforas de Chico nas composições de Etnia, Macô e Sangue de Bairro.
ETNIA
Claramente visualizamos em Etnia a preocupação de Chico com as questões sociais e étnicas raciais. Quando tratamos de analisar suas composições, inevitavelmente apontaremos a contemporaneidade como característica principal. É o que podemos observar em um trecho da canção, onde o malungo exalta a união entre os povos:
“Somos todos juntos uma miscigenação
E não podemos fugir da nossa etnia
Índios, brancos, negros e mestiços
Nada de errado em seus princípios
O seu e o meu são iguais
Corre nas veias sem parar
Costumes, é folclore, é tradição
Capoeira que rasga o chão
Samba que sai da favela acabada
É hip hop na minha embolada”
Sua maior intenção sempre foi juntar tribos, raças, valorizar as religiões de matriz africanas, combater o preconceito racial, entre outras movimentações em prol do bem social.
Trazendo para música a crítica sobre a desvalorização cultural por parte dos gestores culturais e suas respectivas secretarias, Chico inteligentemente emenda em tom de protesto:
“É o povo na arte
É arte no povo
E não o povo na arte
De quem faz arte com o povo”
Na última estrofe da composição, Science exalta várias manifestações culturais, deixando evidente seu apego aos ritmos regionais, que com sua alquimia sonora juntou ao que se era produzido pela world music:
“Maracatu psicodélico
Capoeira da Pesada
Bumba meu rádio
Berimbau elétrico
Frevo, Samba e Cores
Cores unidas e alegria
Nada de errado em nossa etnia”.
MACÔ
Com participações do mestre Gilberto Gil e do rapper Marcelo D2 – na época integrante do Planet Hemp – Chico e a Nação rodaram o mundo cantando Macô, sucesso que nos remete a figura do comunicador e agitador cultural, Roger de Renor. Gil conta que quando soube que o músico pernambucano estaria se apresentando no mesmo dia que ele no Central Park Summer Stage, em Nova York, pediu para dividir o palco com Chico.
A história da pergunta, “Cadê Roger?” ramificou para vários significados. O primeiro deles se direciona para o Bar Soparia, no bairro do Pina, em Recife. O local era ponto de encontro na década de 90 dos jovens recifenses. De ambiente underground, o bar promovia pequenos festivais com bandas locais, agitando as noites de marasmo da capital pernambucana. Roger circulava por todos os cantos do bar, menos o balcão. Quem chegavam sempre tinha a pergunta pronta, cadê Roger?. O próprio Roger – proprietário do local – conta que os frequentadores sempre chegavam querendo saber dele em meio aquela agitação.
Outra explicação para o nome da música Macô e o refrão do Cadê Roger? Sai de uma tese de Chico, onde o malungo com uma ideia futurista diz que os adeptos da marijuana não precisariam mais ficar nas esquinas fumando baseados. A concepção que ele tinha sobre tecnologia dava ao mangueboy a possibilidade de viajar, afirmando ele, que camelôs venderiam chips e ao coloca-los na orelha daria um efeito alucinógenos.
Os significados para a música não por aí. No estado do Maranhão o cadê Roger tornou-se código para os usuários da verdinha saberem se alguém tinha a droga para uso. E a palavra Macô virou codinome para a maconha.
SANGUE DE BAIRRO
Fugindo um pouco das metáforas, escolhi uma música que no meu ponto de vista teve destaque maior das demais canções do Afrociberdelia e por isso merece um espaço nesta coluna.
Afirmo isso porque Sangue Bairro demonstrou o quanto interligado estavam às produções culturais em Pernambuco. Artes plásticas, moda, cinema e outros segmentos da cultura tinham como referência a estética e a linguagem do movimento mangue e vise e versa, havia essa troca. Prova disso foi à escolha dos cineastas pernambucanos Lírio Ferreira e Paulo Caldas, para a música ser trilha sonora do filme Baile Perfumado (1996).
A letra faz referência a Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, e ao seu bando. Na história do nosso país, o cangaço foi sempre marginalizado. Chico fez questão na sua composição de trazer a tona um fato importantíssimo para o povo nordestino. Ela cita boa parte dos cangaceiros e ainda relembra como foi o desfecho da história de Lampião.
"Bezouro, Moderno, Ezequiel, Candeeiro, Seca Preta, Labareda, Azulão, Arvoredo, Quina-Quina, Bananeira, Sabonete Catingueira, Limoeiro, Lamparina, Mergulhão, Corisco! Volta Seca, Jararaca, cajarana, Viriato, Gitirana, Moita-Brava, Meia-Noite, Zambelê"
Trecho que narra a morte de Lampião:
"Quando degolaram minha cabeça Passei mais de dois minutos Vendo o meu corpo tremendo E não sabia o que fazer Morrer, viver, morrer, viver"
Essa foi a segunda parte do especial “Explicando as metáforas de Chico Science”. Na próxima terça-feira (8) fecharemos com a terceira e última parte. Faremos uma análise geral do papel que Chico teve enquanto compositor e o porquê suas letras se perpetuam até hoje tendo um papel contemporâneo no cenário social e político do Brasil.