[ESPECIAL] Explicando as metáforas de Chico Science
Para quem não sabe Chico Science usava de muitas metáforas nas composições dos seus maiores sucessos. Por vezes trazia à tona a crítica social vivida pela cidade do Recife no inicio dos anos 90, em outros momentos se inspirava em quadrinhos, literatura e escritores como o grandioso Josué de Castro.
Da maneira mais minuciosa possível vamos desvendar neste especial às mensagens “subliminares” inseridas nas composições de Chico e o importante legado que suas letras tão contemporâneas proporcionam até hoje no cenário político-social de Recife e porque não dizer do Brasil.
Iniciando pelo primeiro álbum da banda, o “Da Lama ao Caos” ( Chaos, 1994) abordaremos as músicas “Da Lama ao Caos”, “Rios, Pontes e Overdrives” e “Antene-se”
DA LAMA AO CAOS
No refrão da música que leva o mesmo nome do disco, Science entoava: “Da lama ao caos, do caos à lama, um homem roubado nunca se engana”. Esse trecho remete a dois fatos curiosos. Quando Chico fala de caos, ele se refere à conhecida teoria do caos (de ideologia anarquista a teoria do caos apresenta a fundamentação que as duas "funções" mais cruciais do governo — lei e defesa — podem ser eficientemente providas pelo livre-mercado, demonstrando assim que o Estado é completamente desnecessário). Ou seja, o objetivo era mostrar o desgoverno que assombrava a capital pernambucana, com números alarmantes sobre desigualdade social e degradação do meio ambiente. Foi nessa pegada de indignação que o malungo se opunha ao cenário de outrora. Não era só no cenário artístico que o marasmo tomava conta de Recife, mas em outros segmentos da sociedade.
Sobre o homem roubado nunca se engana, trata-se de um fato curioso vivido pelo próprio Chico, quando em uma viagem a São Paulo, em busca de um tênis modelo adidas três listras, um rapaz ouviu a conversa de Science com o seu primo e se ofereceu para ir buscar o tênis com um preço mais em conta. Ligado todo, Chico não hesitou, deu a grana e mandou o cara ir buscar. Bom, a história, alguns já sabem, até hoje não se viu a cor do dinheiro. Foi aí que ele pensou: um homem roubado nunca se engana.
Ainda na mesma composição, o sociológico pernambucano Josué de Castro é citado: “Ô Josué, eu nunca vi tamanha desgraça, quanto mais miséria tem, mais urubu ameaça”. Fruto de uma indicação do jornalista José Teles, Chico curioso que era se atentou para o livro Homens e Caranguejos (1967) reafirmando o quanto era antenado e colocando em evidência uma das figuras mais ilustres do nosso país.
RIOS, PONTES E OVERDRIVES
Partindo para outro grande sucesso e outra grande metáfora, voltamos à fita como dizia no passado e paramos na faixa de número 3 do disco, uma das mais ovacionadas pelos fãs nos shows da Nação Zumbi: Rios Pontes e Overdrives.
Esse fato foi contado pelo seu próprio irmão mais velho, Jammeson França, ao jornalista que vos escreve. Jamelão, como é conhecido, narrou como partiu a sua indagação sobre o que danado era molambo, no trecho da música: “Molambo boa peça de pano pra se costurar mentira, mentira, mentira... Molambo boa peça de pano pra se costurar miséria, miséria, miséria...” E Chico rapidamente explicou ao seu irmão: molambo é a bandeira do Brasil Jammerson!
Notem até onde ia a sacada do cara sobre a quarta pior cidade do mundo (A cidade do Recife recebeu o famigerado título da ONU, sendo indicado o 4º colocado como o pior local do mundo para se viver). Além de falar do Brasil, a letra ainda menciona os moradores dos mocambos da cidade estuário e seu sofrimento diário: “E a lama come mocambo e no mocambo tem molambo, e o molambo já voou, caiu lá no calçamento bem no sol do meio-dia, o carro passou por cima e o molambo ficou lá”.
ANTENE-SE
Mantendo a música de protesto bastante presente no álbum, Chico levanta em “antene-se” questões sociais relevantes da época. Quando ele diz: “Recife, cidade do mangue, onde a lama é a insurreição. Onde estão os homens caranguejos?” sua intenção era falar da importância histórica dos manguezais recifenses, mas ao mesmo tempo reafirmar que a lama, tão fértil para o ecossistema mangue, insurgia de maneira rebelde contra aquele atual momento. Na pergunta “onde estão os homens caranguejos?” Chico faz menção aos políticos. Essa é uma pergunta recorrente nas denúncias feitas pela população. Cadê o prefeito que não está vendo isso? Cadê os políticos que não fazem nada?
Mesmo o país já vivendo a tão sonhada democracia, o direito ao voto, e comemorando outras conquistas travadas na época da nebulosa ditadura militar, Chico Science denunciava de maneira metafórica e sunsita os problemas que sua cidade e país conviviam cotidianamente. Caso o malungo fosse um compositor que tivesse vivido artisticamente aquela época e se rebalasse contra os militares, com certeza teria driblado a censura na Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP) – órgão por onde passava todas as canções antes de serem executadas no meio público.
Chegamos ao fim da primeira parte do especial: “Explicando as metáforas de Chico Science”. Na próxima terça-feira (01/03) contaremos mais histórias curiosas do segundo CD de Chico Science & Nação Zumbi, o Afrociberdelia (1996).