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[COLUNA] A privatização de um patrimônio de todos chamado carnaval

  • Almir Cunha
  • 17 de dez. de 2015
  • 5 min de leitura

Admira-me muito a insistência e a emergência com que alguns vereadores da cidade de Olinda atendem os interesses dos empresários das famosas casas camarotes. Essa prática é algo que vem se tornando algo recorrente de uns tempos pra cá no legislativo do município. Passando por cima do regimento da casa legislativa, o presidente Marcelo Soares (PCdoB) orquestrou uma manobra no maior estilo Eduardo Cunha de presidir. Na última sessão do ano, antes do recesso parlamentar, esse senhor, que deveria ser representante dos olindenses – e não de empresas -, apresentou em extrapauta, na “calada do dia” (para ser mais preciso), a modificação da Lei do Carnaval no seu artigo 12. Sua intenção é de liberar o que por lei já é proibido – os polos não oficiais de folia – A decisão pegou alguns dos seus pares de surpresa, como votar extra pauta, um tema tão polêmico e que já havia sido discutido e acordado por meio de TAC (Termo de Ajustes de Conduta), inclusive com o MPPE?

Foto da audiência pública realizada em novembro de 2014 na Câmara dos Vereadores de Olinda que discutiu a Lei do Carnaval.

Tolhendo a fala dos vereadores contrários a sua decisão, não passando o projeto pela Comissão de Cultura da casa, e o pior, desconsiderando diversos fatores que a sociedade trouxe como argumento no ano passado, para barrar as “boates kiss’’ do Sítio Histórico, o presidente da Câmara Municipal conduziu a sessão na manhã de terça-feira (15).

Mas porque ser contra as casas-camarotes? Eu te explico.

Essa é uma discussão muito ampla e com vários argumentos embasados o para defendermos a não camarotização do carnaval olindense. Mas vamos por partes. Olinda como todos sabem, é uma cidade tombada pela UNESCO como Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade, suas igrejas e casarios são seculares, o que faz parte da bela história e da paisagem encantadora da cidade, uma marca registrada que nada nem nenhum empresário podem destruir.

É sabido que a mega estrutura desses camarotes traz consigo diversos pontos negativos, como impactos sonoros, ambientais e a descaracterização do carnaval da cidade alta. Você já parou pra pensar que nenhuma casa, muito menos um colégio religioso, tem alvará de funcionamento durante todo o ano para se instalar como uma casa de show? Você sabia que por dia circulam 250 mil pessoas nas ladeiras da cidade? Agora imagine um incêndio ou alguma situação de emergência durante a festa carnavalesca, no bom português pra todo mundo entender, “a gente se lasca né não?”

Entrando no fator sonorização e partindo para a lei que foi alterada em 2014. O inciso 5º é bastante claro quanto à utilização de equipamentos sonoros, ele diz: “A utilização de equipamentos de sonorização, com emissão de sons além dos limites estabelecidos pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA, ou qualquer outro mo de caracterização de foco não oficial de animação nas ruas da passarela natural sujeitará os responsáveis, tanto inquilino quanto proprietário do imóvel, a multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a R$ 100.000 (cem mil reais), cuja gradação será estabelecida pelo Poder Executivo, aplicada em dobro a cada reincidência, além da apreensão do equipamento, que deverá ser recolhido a depósito público”. E ai, você acha mesmo que uma banda como O Rappa, por exemplo, vem para Olinda tocar em plena efervescência do carnaval, como se fora um acústico da MTV? Obviamente que não. Nada contra o Marcelo Falcão e sua banda, escuto muito durante os outros meses, mas é sério que você espera ansiosamente pelos clarins para ao em vez de ouvir um “Voltei Recife, é de sua preferência escutar “Eu quero ver gol’’? Na boa, te indico festas como Parador, ou quem sabe o carnaval da Bahia e seu cordão de isolamento segregador e racista.

No Recife foi fundado um bloco carnavalesco Empatando Tua Vista que satiricamente critica a verticalização da cidade, pronto, com a vinda dessas casas, presenciamos no carnaval de 2013 a aglomeração de pessoas na sua frente durante os quatro dias de momo. Em Olinda querem criar o Empatando Tua Troça. Faço questão que retornemos para a Lei do Carnaval e explicar o porquê deste apelido. Em seu artigo 13,§ 4º: “Fica expressamente proibida a instalação de focos não oficiais no perímetro da Passarela Natural”. Pois bem, são nestas passarelas naturais que desfilam as maiores e melhores expressões culturais do nosso estado: maracatus, orquestras de frevo e os inúmeros blocos da cidade, afoxés, caboclinhos e tantas outras manifestações populares.

Como disse acima, embasamento é o que não falta para a festa mais popular do planeta ser definitivamente dos amantes do carnaval, que não reclamam do calor humano e da cerveja quente, pois conseguem sentir a transcendência que a festa proporciona. E continuo a defender minha quase tese de que o carnaval é na rua, mostrando mais um fator importante nessa discussão. Enquanto poder legislativo e executivo tentam brechas para descaracterizar a festa do povo, troças tradicionais do carnaval da cidade, como Marim dos Caétes e Vassourinhas, sentem na pele a dificuldade de desfilarem por falta de apoios financeiros das gestões. Esse fato é de uma injustiça sem tamanho com a cultura olindense e os que constroem arduamente dia após dia.

É necessário planejar o carnaval da cidade com uma Comissão Permanente do Carnaval que exista de fato e de direito. Não podemos pensar a festa faltando um ou dois meses para o seu inicio. Enquanto o planejamento amador dos que são responsáveis pela organização do carnaval, se resumir a trocar garrafa de vidro pela de plástico e a PM dar baculejo em jovens negros e de perifia, que carecem dentre tantas coisas, de um lazer na sua comunidade, as coisas permanecerão do mesmo jeito ou até muito pior. Os agentes culturais, os amantes do carnaval, e, sobretudo os moradores do Sítio Histórico precisam ter participação direta nas discussões que perpassam a grande manifestação popular chamada carnaval de Olinda.

O nosso apelo é por mais democracia em uma festa já democrática por essência. Mais uma vez estaremos na defesa pela preservação da nossa cultura. Não vamos permitir que tirem de nós o que temos de mais alegre, a nossa maior confraternização, heterogênea, aonde classes sociais divergentes se abraçam sem distinção para cantar o hino do elefante, aonde tricolores, alvirrubros e rubronegros estão desfilando no mesmo blocos soltando confete e serpentina no ar na maior paz do mundo.

É isso que defendemos, por isso exigimos #VetaRenildo. Você prefeito, pode ter errado em muitas coisas durante seus dois mandatos, mas escolher o veto nesse momento é ter a oportunidade de fazer parte dos livros que contarão a história do carnaval de Olinda daqui a 70 anos e seu nome ser marcado como o prefeito que não permitiu o esfacelamento do carnaval. Lembre-se da Lei nº 13.778, onde o Governo de Pernambuco declarou o Carnaval de Olinda Patrimônio Cultural e Imaterial do Estado, ou seja, ele é uma expressão que está associada à comunidade e grupos, fazendo com que nós o reconheçamos como parte integrante do patrimônio cultural.

 
 
 

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