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[COLUNA] Sobre política e não-política

  • Antônio Gabriel
  • 30 de nov. de 2015
  • 5 min de leitura

Frequentemente nós esquecemos princípios básicos de muitas coisas em nosso dia a dia, e acabamos por tomar ações que caracterizam práticas que, teoricamente, queremos distância. Por exemplo, fazer política não é exclusivamente ir para frente das câmeras de quatro em quatro anos e falar com a população, muito menos subir em um plenário, todo emperiquitado, para discursar para alguns outros emperiquitados. Ao sentar em banco e conversar sobre o cenário social, econômico, ou qualquer outro subtópico social, estamos fazendo política sim. Mas expliquemos com calma.

Aposto com você que as duas coisas que vêm a sua cabeça quando falamos em política são “eleições” e “gestão do patrimônio público”. Se você toma isso como verdade absoluta, logo pensa: “isso não tem nada a ver comigo”. Aí onde está o maior erro de todos nós, e que pode levar uma sociedade inteira a lama, isso pelo fato de que todo o governo tem como princípio o uso da dominação, que consiste e te fazer acreditar que as relações interpessoais são do jeito que são e pronto.

Para que esse ideal seja aderido, usa-se o pretexto do naturalismo, ou biologismo social. Na natureza, tudo acontece de uma única maneira, e podemos citar a fotossíntese como exemplo, já que tal processo só acontece com a presença do sol. Mas quem diabos disse que isso se aplica a sociedade humana? Desconstruir esse argumento é a coisa mais fácil do mundo, basta você perceber que há quem proponha uma transformação, uma revolução, nos permitindo inferir que as fórmulas conhecidas não garantem uma convivência feliz (dica de leitura: A dominação masculina, por Pierre Bourdier).

A política, portanto, é regida pelo que chama na filosofia de “princípio da contingência”, que, resumidamente, aponta que a realidade pode ser diferente do que é.

Negar a política como algo contingente é negar a humanidade. A partir do momento que associamos à gestão da coisa pública a religião, seguindo os preceitos e os ensinamentos de um suposto Deus, nós negamos toda e qualquer capacidade nossa de se relacionar de forma humana, toda e qualquer capacidade nossa de transformação e toda e qualquer unidade. Da mesma maneira funciona um regime ditatorial, que vai de acordo com os desejos daquele que está no poder.

E sim, os desejos! Eles são parte fundamental no campo da política. Gerir e administrar o que é público, é trabalhar com aquilo que chamamos de desejo. Desejar algo é querer o que nos falta, e todo ser humano é desejante. Em seu livro, O Leviatã, Thomas Hobbes afirmou que “enquanto o ser humano for desejante, a cidade é uma guerra”. Então, por exemplo, quando se diz que um político não faz nada, ele, na verdade, não está fazendo aquilo que desejamos.

A questão real é saber lidar com as vontades individuais, e para isso é necessário atribuirmos valor, e as alternativas não são nada parecidas com as questões de colégio. A nossa vida tem infinitos gabaritos, infinitas respostas corretas, e todas elas excludentes entre si. Para perceber, tomemos como exemplo os extremos “privacidade” e “transparência”: quando uma empresa tem em sua política a “transparência”, a partir do momento que ela adota uma estratégia para fugir da concorrência (como um duelo entre Coca-Cola e Pepsi) ela faz uso do sigilo, quebrando toda a linha lógica de sua ideologia.

Outro exemplo de decisão contraditória se deu lugar na discussão do royalties do petróleo. Inicialmente, o dinheiro pago por esses royalties são destinados as cidades que supostamente seriam atingidas em uma catástrofe envolvendo o derramamento do petróleo. Em contra ponto, há a ideia de união, que nos permite inferir que o petróleo pertence a toda a nação, e nada mais justo do que compartilhar o dinheiro recebido por todos.

O que pretendo mostrar é definido de forma sucinta e espetacular pelo professor da USP, Clóvis de Barros Filho: “Só faz sentido pensar em política se as formas de convivência não forem inexoravelmente definidas por alguma estância”.

É tendo isso como premissa que retomamos os governos autoritários e/ou religiosos. Acima de tudo, governar tendo intervenção “divina” ou dependendo da vontade e dos interesses de um só cidadão, é, como foi dito, negar a humanidade. Mesmo que tenhamos sido criados por uma entidade sobrenatural (não que seja o meu entendimento), vivemos em mundo com nós mesmos, algo que nos permite compreender que temos de nos resolver entre si.

Por um bom período, a raça humana teve o seu ritmo ditado por uma religião, e este período ficou conhecido como “Idade das Trevas”. As crenças que hoje estão em debate são outras, mas compartilham do mesmo ideal: reger uma sociedade através dos ensinamentos de uma divindade. O Estado Islâmico (EI), por exemplo, é um grupo de extremistas islâmicos sunitas. Sua organização política gira entorno de um Califa, uma espécie de representante de Maomé, que dita as regras de convivência social através do Alcorão (livro sagrado). Não nos cabe aqui discutir de onde surgiu a revolta contra o ocidente que assistimos hoje, mas sim os objetivos do grupo.

O Califa do EI visa a construção de um estado religioso islâmico. Para isso, invadiu cidades da Síria ao Iraque, onde hoje ocupa território. Em meio ao povo expulso de suas cidades, podemos identificar os Curdos, povo que é tido pelos sunitas como impuro e pertencente ao “inferno”. Eles são mortos ou excluídos socialmente em lugares inóspitos, no meio do deserto.

Saindo do oriente médio e visitando o norte da África, é possível identificar o Boko Haram (BH), grupo que atua com o mesmo intuito do EI e prega os mesmos valores, também representados por sunitas. O BH pode não ser conhecido de muitos, visto que suas ações não aparentam ter grande valor para a televisão ou os jornais brasileiros, mas recentemente uma escola primária foi explodida na Nigéria e um hotel de luxo em Mali foi invadido pelos terroristas do grupo. Os ataques representaram duas mensagens claras: a de que o grupo pretende modificar a educação nas escolas africanas, deixando de lado o que eles chamam de “método ocidental”, e mostrar que a região não vê com bons olhos os turistas que partem do lado oposto do mundo.

Já pensando em governos totalitários, não é necessário ir tão longe. A Venezuela vive aos moldes do governo Chavez, com seu sucessor, Nicolás Maduro no poder. A ditadura no país afeta dos veículos de comunicação as compras de varejo, e um cenário de sucateamento pode ser o necessário para definir a nação.

Recentemente, o presidente eleito da Argentina, Maurício Macri, propôs a saída da Venezuela do bloco do Mercosul, sob a escusa de que o país não é democrático, sendo essa um das cláusulas do bloco econômico. Macri está correto em sua atitude, pois acima de tudo, na Venezuela, não se faz política. O engraçado é que Maduro faz de tudo para mostrar que o seu país vive o pleno governo democrático, mas na última semana o candidato a presidente da oposição foi assassinado na capital Caracas. Vai entender!

O ideário central da coluna de hoje é mostrar rumo tomado no cenário político nacional. Em pleno século XXI, é possível ver em nosso país o retrocesso de pensamento através de figuras públicas que representam a chamada “bancada evangélica”, ou outros que abertamente se mostram a favor da volta da ditadura militar, afim de “melhorar a situação do Brasil”. É verdade que vivemos uma crise política, mas antes isso do que a falta dessa política.

A recente prisão de Delcídio Amaral não é para por medo somente nos políticos do partido X, e sim para por medo em todos os homens públicos, presentes no Senado, Câmara, Palácios, Ministérios e Prefeituras. Todo o resto, que tenta usar da figura de um período de crise social como solução e propõe a intervenção de “leis divinas” para suprimir os homens, são hipócritas a ponto de quererem acabar com sua própria profissão: a política.

 
 
 

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