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COLUNA | Homenagem aos poetas

Terminamos nosso roteiro pelas ruas do Recife, nossa próxima parada é a Rua da Moeda repleta de bares e ponto original dos eventos do movimento mangue, que deu visibilidade mundial para a cultura pernambucana. Na Rua da Moeda foi erguida uma homenagem ao saudoso malungo sangue bom, Francisco de Assis França (1966-1997), conhecido popularmente pela alcunha de Chico Science. O mangueboy nos deixou precocemente, aos 30 anos de idade, com uma obra vasta. Os discos Da Lama ao Caos e Afrociberdelia entraram para a lista da Rolling Stones como os cem melhores da música brasileira, ficando em 13º e 18º lugar respectivamente. E numa lista recente, pela mesma revista, ele foi eleito em 16º lugar, como um dos cem maiores artistas da música brasileira. Fico imaginando o que mais ele teria produzido se ainda estivesse em atividade. Chico é o balanço da ciranda, mantendo sempre Pernambuco embaixo dos pés, e a mente na imensidão. "Um passo à frente e você não está mais no mesmo lugar."

No Cais da Alfândega, ainda no Bairro do Recife, em frente ao prédio histórico onde hoje funciona o Paço Alfândega, a estátua do poeta Ascenso Ferreira (1895-1965) encontra-se sentado observando as densas águas do Capibaribe, com chapéu de palha na cabeça. Natural de Palmares, Zona da Mata Sul de Pernambuco, local que também é conhecido por “Terra dos Poetas”, ele pertenceu à primeira geração do modernismo. Sua temática poética destacava na maioria das vezes a paisagem regional. Podemos conferir essa característica no poema ‘‘Nana Nanana’’ :

Sentes que a minha vida é um rio caudaloso, tomado do delírio das enchentes, correndo alucinado para o mar! E te assombras com medo dos abismos, onde as águas nos seus loucos paroxismos te possam arrastar... No entanto, sobre a flor dessas águas tempestuosas, leve com as espumas vaporosas, hás de sempre boiar... Sentindo a sensação deliciosa de que as águas arrogantes, tumultuosas, estão cantando para te ninar.

Joaquim Cardozo (1897-1978) é considerado um dos maiores poetas do século XX. Fez parte da segunda geração do Modernismo onde se destacava o evidente interesse por temas nacionais e uma linguagem mais brasileira. Além de poeta, Joaquim Cardozo foi contista, desenhista, engenheiro civil, trabalhando em importantes edificações de Brasília junto ao Oscar Niemeyer, editor de revistas especializadas em arte e arquitetura e professor. Sua escultura encontra-se na ponte Maurício de Nassau.

Tarde no Recife

Da ponte Maurício o céu e a cidade. Fachada verde do Café Máxime. Cais do Abacaxi. Gameleiras. Da torre do Telégrafo Ótico A voz colorida das bandeiras anuncia Que vapores entraram no horizonte.

Tanta gente apressada, tanta mulher bonita. A tagarelice dos bondes e dos automóveis. Um carreto gritando — alerta! Algazarra, Seis horas. Os sinos.

Recife romântico dos crepúsculos das pontes. Dos longos crepúsculos que assistiram à passagem [dos fidalgos holandeses. Que assistem agora ao mar, inerte das ruas tumultuosas, Que assistirão mais tarde à passagem de aviões para as costas do Pacífico. Recife romântico dos crepúsculos das pontes. E da beleza católica do rio.

Solano Trindade (1908-1974), natural de Recife, foi um poeta, folclorista, pintor, ator, teatrólogo e cineasta. É considerado por Carlos Drummond de Andrade o maior poeta negro do Brasil. Fundou o Teatro Experimental do Negro e o Teatro Popular do Brasil, idealizou em 1934 o I Congresso Afro-Brasileiro e participou em 1936 do II Congresso Afro-Brasileiro em Salvador – BA. Também integrou na produção artística a cultura negra e tradições afrodescendentes fazendo parte do importante grupo de artistas plásticos, o Sakai de Embu. Como cineasta, trabalhou no filme A Hora e a Vez de Augusto Matraga de Roberto Santos. Seu monumento está localizado no Pátio de São Pedro, bairro de São José, um dos mais importantes polos de animação do centro. Atualmente acontecem na praça, festejos nas terças-feiras, pelo projeto Terça Negra, movimento político, cultural e religioso.

Canto dos Palmares (trecho)

"Ainda sou poeta meu poema levanta os meus irmãos. Minhas amadas se preparam para a luta, os tambores não são mais pacíficos até as palmeiras têm amor à liberdade."

Do Pátio de São Pedro, seguimos ainda no bairro de São José para a Praça Visconde de Mauá. Próximo aos pontos turísticos da Casa da Cultura, e da antiga Estação Central do Recife, encontra-se saudando alegremente quem por ali passa, o Rei do Baião, Luiz Gonzaga (1912-1989). Gonzagão é sem dúvida um dos maiores representantes da música nordestina e brasileira. Seu desejo era ser lembrado como o sanfoneiro que amou e cantou seu povo, o sertão, que as aves, os animais, os padres, os cangaceiros, os retirantes, os valentes, os covardes, o amor. Muito mais do que isso, ele será lembrado como um verdadeiro gênio. ‘‘O nordestino reconhece no meu trabalho o amor pela terra, o carinho e o respeito por suas coisas e por suas tradições. A sanfona é o maior instrumento rural do mundo, e o Nordeste a maior região musical da América do Sul.’’ - Luiz Gonzaga.

Finalmente concluímos o nosso circuito com a poetisa Clarice Lispector (1920-1977). Natural da Ucrânia declarava-se quanto à sua brasilidade, pernambucana. Sua representação se encontra na Praça Maciel Pinheiro, localizada no bairro da Boa Vista, em frente à casa onde ela morou. A praça chama a atenção como uma das paisagens mais tradicionais do Recife, onde funciona o comércio popular da Rua da Imperatriz, a Matriz da Boa Vista da Irmandade do Santíssimo Sacramento, o Teatro do Parque e também o Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano. É considerada uma das maiores escritoras do século XX. Possui uma obra intimista com de cenas do cotidiano e tramas psicológicas. Sua principal característica é a epifania em personagens comuns nos momentos do cotidiano, obedecendo a uma perspectiva mais objetiva e factual. Porém também não fugia do seu lado subjetivo e filosófico procurando entender o mundo e as coisas ao seu redor.

“Olhe, tenho uma alma muito prolixa e uso poucas palavras. Sou irritável e firo facilmente. Também sou muito calma e perdoo logo. Não esqueço nunca.

Mas há poucas coisas de que eu me lembre.” - Clarice Lispector.

Lamentavelmente, várias vezes esses monumentos foram alvos de depredações, e restaurados em seguida. É importante que o patrimônio seja cuidado e mantido em memória dessas figuras que representam a nossa literatura, música e cultura. Esperamos que esses atos de agressão e quem os cometeram sejam sempre punidos para que não voltem a se repetir. A cidade é a nossa casa. Preserve-a.

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