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[COLUNA] Recife transborda poesia

  • Maria Lua Ribeiro
  • 19 de ago. de 2015
  • 5 min de leitura

A cidade do Recife é fonte de inspiração para muitos artistas que frequentam suas ruas e bairros, becos e avenidas, rios e pontes. E na poesia encontramos representantes singulares que contribuíram para o enriquecimento da nossa arte. Alguns desses artistas receberam homenagens em forma de escultura, e estão personificados em locais de vasta intimidade com o cotidiano das pessoas que circulam em meio a agitação da cidade, passando despercebidos na maioria das vezes. E sendo essa verdadeira fonte de poetas, a Veneza Brasileira possui um roteiro turístico para a poesia. São doze personagens, e eu convido você caro leitor, a conhecer um pouco mais sobre cada um deles neste passeio pela cidade.

1- Começamos com Manuel Bandeira (1886-1968), um dos precursores do modernismo, participou do importante movimento de contracultura, a Semana de Arte Moderna em 1922. Além de poeta ele foi crítico literário e de arte, cronista, ensaísta, professor de literatura e tradutor brasileiro. Suas obras corriqueiramente remetiam à sua infância ou a temáticas cotidianas. Percebe-se na construção de seus poemas uma abordagem irônica e considerada vulgar pelos acadêmicos tradicionalistas. Nota-se também um ar melancólico em suas produções, pois ele sofria de tuberculose e a incerteza de continuar vivendo por muito tempo, o deixava angustiado. No entanto, tal enfermidade não tirou sua perspectiva de vida, por pouco mais de 80 anos. Dentre seus poemas, estão "Vou-me embora pra Pasárgada" onde ele aborda um lugar imaginário e utopista citando a felicidade quase inalcansável; "Andorinha", em que ele nos leva a refletir sobre o tempo e a vida; "Pneumotórax" trazendo a temática da sua doença de maneira sarcástica e "Os Sapos" que foi declamado na semana de 22. Sua estátua está localizada num cenário privilegiado. À beira do Capibaribe, na Rua da Aurora, que transpira poesia.


Os Sapos


Enfunando os papos, Saem da penumbra, Aos pulos, os sapos. A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra, Berra o sapo-boi: - "Meu pai foi à guerra!" - "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

O sapo-tanoeiro, Parnasiano aguado, Diz: - "Meu cancioneiro É bem martelado.

Vede como primo Em comer os hiatos! Que arte! E nunca rimo Os termos cognatos.

O meu verso é bom Frumento sem joio. Faço rimas com Consoantes de apoio.

Vai por cinquenta anos Que lhes dei a norma: Reduzi sem danos A fôrmas a forma.

Clame a saparia Em críticas céticas: Não há mais poesia, Mas há artes poéticas..."

Urra o sapo-boi: - "Meu pai foi rei!"- "Foi!" - "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

Brada em um assomo O sapo-tanoeiro: - A grande arte é como Lavor de joalheiro.

Ou bem de estatuário. Tudo quanto é belo, Tudo quanto é vário, Canta no martelo".

Outros, sapos-pipas (Um mal em si cabe), Falam pelas tripas, - "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".

Longe dessa grita, Lá onde mais densa A noite infinita Veste a sombra imensa;

Lá, fugido ao mundo, Sem glória, sem fé, No perau profundo E solitário, é

Que soluças tu, Transido de frio, Sapo-cururu Da beira do rio...

2- O segundo poeta é João Cabral de Melo Neto (1920-1999) o poeta da razão, diplomata e escritor brasileiro de tendências desde o surrealismo até a poesia popular. Foi membro das Academias Pernambucana e Brasileira de Letras. Sua poesia é composta de objetos e sensações táteis, e palavras como cana, pedra, osso, esqueleto, dente, gume, navalha, faca, foice, lâmina, baía, relógio, seco, mineral, deserto e fome são utilizadas sistematicamente. Claramente observamos em suas construções algumas dualidades opostas como o dentro e o fora, o maciço e o não maciço, a Caatinga desértica e o Pernambuco úmido. Não há como esperar dele emoção ou romantismo, pois sua poesia é concreta, construtivista e comunicativa. Suas obras também são inspiradas no retirante nordestino e na seca que assola o sertão, e não posso deixar de citar como exemplo "Morte e Vida Severina", obra que retrata a luta de um migrante nordestino e sua caminhada para chegar ao litoral, em busca de uma vida melhor, enfrentando várias adversidades em seu trajeto. Toda essa obra é narrada em gênero predominatemente lírico com presença dramática e já teve adaptações para o teatro, cinema e até desenho animado. O monumento do poeta também está eternizado na Rua da Aurora, sentado em um banco, observando as águas do rio.

Morte e Vida Severina - Trecho Introdutório

O meu nome é Severino, Não tenho outro de pia. Como há muitos Severinos, Que é santo de romaria, Deram então de me chamar Severino de Maria; Como há muitos Severinos Com mães chamadas Maria, Fiquei sendo o da Maria Do finado Zacarias.

Mas isso ainda diz pouco: Há muitos na freguesia, Por causa de um coronel Que se chamou Zacarias E que foi o mais antigo Senhor desta sesmaria.

Como então dizer quem falo Ora a Vossas Senhorias? Vejamos: é o Severino Da Maria do Zacarias, Lá da serra da Costela, Limites da Paraíba.

Mas isso ainda diz pouco: Se ao menos mais cinco havia Com nome de Severino Filhos de tantas Marias Mulheres de outros tantos, Já finados, Zacarias, Vivendo na mesma serra Magra e ossuda em que eu vivia.

Somos muitos Severinos Iguais em tudo na vida: Na mesma cabeça grande Que a custo é que se equilibra, No mesmo ventre crescido Sobre as mesmas pernas finas E iguais também porque o sangue, Que usamos tem pouca tinta.

E se somos Severinos Iguais em tudo na vida, Morremos de morte igual, Mesma morte severina: Que é a morte de que se morre De velhice antes dos trinta, De emboscada antes dos vinte De fome um pouco por dia (de fraqueza e de doença é que a morte severina ataca em qualquer idade, e até gente não nascida).

Somos muitos Severinos Iguais em tudo e na sina: A de abrandar estas pedras Suando-se muito em cima, A de tentar despertar Terra sempre mais extinta,

Há de querer arrancar Alguns roçado da cinza. Mas, para que me conheçam Melhor Vossas Senhorias E melhor possam seguir A história de minha vida, Passo a ser o Severino Que em vossa presença emigra.

3- Seguindo o passeio, nosso próximo poeta é Lourenço da Fonseca Barbosa, o Capiba (1904-1997), autor de célebres canções como "Voltei Recife", "Recife, Cidade Lendária", "Madeira que Cupim Não Roi" e "Olinda Cidade Eterna", é o compositor de frevos mais conhecido do Brasil. Nascido em Surubim, escreveu mais de duzentas canções, e seu legado possui verdadeiros hinos que são inevitavelmente lembrados nos carnavais de Pernambuco. Devido a imensidão de sua obra, naturalmente ele não esteve restrito ao gênero genuinamente pernambucano, mas também compôs desde o samba até a música erudita. Capiba produziu uma obra caudalosa, tanto gravada, quanto inédita e estima-se que tenha deixado mais de quatro centenas de composições, entre frevos e peças eruditas, como foi citado anteriormente. Sua representação está acenando alegremente para todos que passam pela Rua do Sol, ponto final do grandioso desfile do Galo da Madrugada , no qual ele foi o protagonista da primeira edição em 1978.

Recife, Cidade Lendária

Eu ando pelo Recife, noites sem fim Percorro bairros distantes sempre a escutar Luanda, Luanda onde estás É a alma de prêto a penar

Recife, cidade lendária De pretas de engenho cheirando a banguê Recife de velhos sobrados Compridos, escuros Faz gosto se vê

Recife teus lindos jardins Recebem a brisa que vem do alto mar Recife, teu céu tão bonito Tem noites de lua pra gente cantar

Recife de cantandores Vivendo da glória em pleno terreiro Recife dos maracatus Dos tempos distante de Pedro I

Responde ao que vou perguntar Que é feito de teus lampiões Onde outrora os boêmios cantavam Suas lindas canções.


 
 
 

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