Resistência negra é fonte de inspiração para o novo CD do Combo X
Após dois anos de lançamento do álbum''A ponte'', disco que homenageava seu grande amigo Chico Science e seu bairro Peixinhos, Gilmar Bola 8 e os músicos do Combo X resolveram gravar seu segundo CD e conta na produção do disco, com nomes de peso, O produtor Eduardo Bid (que entre seus grandes trabalhos, tem no currículo a produção do álbum Afrociberdelia |1996| da Chico Science & Nação Zumbi) está na parceria com o tecladista do próprio Combo e também produtor Bactéria. A banda olindense vem com uma pegada para credenciar de uma vez por todas a autenticidade e originalidade do som que fazem.
O Raízes do Mangue foi até Candeias, no estúdio Casona, para saber tudo que rolou no processo de gravação, e o que os fãs poderão esperar desse novo trabalho. O bate-papo foi bem proveitoso, conversamos sobre preconceito racial, resistência cultural, a importância social de Gilmar e Toca Ogan para as comunidades, dentre outros assuntos bem interessantes.
O disco ainda não foi batizado, mas o vocalista Gilmar garantiu que anda discutindo bastante com os companheiros de banda e com os produtores, sobre qual nome será dado ao seu mais novo trabalho.
Confira na íntegra a entrevista do Raízes do Mangue com Gilmar Bola 8, Eduardo Bid, Bactéria e Carlos Pérez (baterisa do Combo X).
Raízes do Mangue - Gilmar, o que os fãs poderão perceber de diferente entre o 1º e o 2º álbum da banda?
Gilmar Bola 8 - Agora nós vamos ter um guitarrista de Peixinhos, com muita influência africana, as guitarras mais limpas, com pouca distorção. O outro disco teve mais distorção, foi mais frenético, esse é um disco mais grovado, com muito batuque, até nos timbres da guitarra.
Raízes do Mangue - Quais foram as inspirações para compor as letras do novo CD?
Gilmar Bola 8 - As nossas músicas são feitas em conjunto, cada um que vem somando com seu arranjo, com suas letras, arrumando palavras, até para ajudar na hora do canto.
Raízes do Mangue - E sobre participações especiais Gilmar...
Gilmar Bola 8 - Nesse disco temos a participação de Toca Ogan, como estamos focados nesse viés da Africa, e Toca é uma pessoa do candomblé, nós optamos por chama-lo até porque ele é da casa. Gosto muito de trabalhar com pessoas conhecidas, Bactéria por exemolo é meu conhecido de muitos anos, Eduardo Bidlovski também, a gente sempre se ver, quando vou a São Paulo, sempre tomamos um café e conversamos bastante. Então ele já sabe a ideia, o que eu quero e o que a banda quer. Por isso convidei Toca Ogan. Convidamos também Jade, uma garota que é professora de música clássica, toca violono. Eu e Bid, conhecemos a mãe dela há muito tempo atrás, a vimos pequena, é uma participação especial de verdade, ela colocou violino na música leão coroado.
Raízes do Mangue - Como disse Gilmar, a pegada deste CD é bem africa, como um dos bateristas da banda, como você analisa a questão percussiva nesse segundo álbum do Combo X?
Carlos Peréz - Eu acho que a característica do Combo, em minha opinião, é uma pouco dessa história de duas baterias, percussão, você sente o batque. De alguma maneira, suponho que estamos evoluindo, com a pegada de Peixinhos; Toca, Rinaldo, Gilmar, até mesmo eu que cheguei por último, mas morei um tempo por lá. É um sotaque afro brasileiro, afro pernambucano. Mas de qualquer maneira, esse CD está ficando um pouco mais extrovertido, muito mais pegado. Por isso Toca participa. As pessoas estão trabalhando, ficam perto, os trombones estão muito legais. Enfim, sou suspeito para falar (risos..)
Raízes do Mangue - Bid, como é voltar a Recife, cidade de muitos amigos e trabalhos, para dessa vez produzir o Combo X? Já que no primeiro disco sua participação foi como co-produtor. Conta também como rolou o convite.
Eduardo Bid - Eu já tinha voltado pra Recife em outras situações, mas não para entrar em estúdio e gravar. Porque todo este trampo depois, eu vinha fazer em São Paulo mesmo, em meu próprio estúdio. Achei até que ia ter dois dias livres, mas acabou que com a correria de todo dia, estamos trabalhando, o que é bom também. Quer dizer, eu vim na missão de trabalhar no segundo disco do Combo e assim foi. Dividindo todo esse trabalho de produção e de alguns arranjos, de ideias com Bacteria. Nos já tinhamos trabalhado no primeiro disco da Combo e foi um trabalho que já deu certo. A gente se conheceu no ''Carnaval na obra'' ( Cd da Mundo Livre S/A de 1998) e depois ele veio a gravar coisas no Bambas, tecaldos e tal. Já fizemos outras coisas juntos. Os dois se identificam com a coisa do amor pela música e da música com amor, com alma. Fica muito fácil trabalhar, as idéias só vão se complementando, não existe confronto, quem vai usar de qual, a idéia vem, é boa, um soma o outro, que soma o outro. É uma lição de ego, da não existência do ego. Nós estamos aqui numa missão, fazer o Combo novo. O disco tem que ser do caralho, tem que ser mais do que o primeira, uma evolução, como tudo é. Quando vem o segundo, sempre é mais díficil também, porque geralmente o primeiro é mais pá e tal, vem aquela expectativa. Tenho certeza que vamos chegar nessas expectativas, estou indo embora para São Paulo com o HD na mão, com as tracks, pra puder lá continuar o trabalho, muito seguro de que as músicas que a gente gravou nesse período estão diferentes do primeiro, cada vez mais com a cara do Combo, sendo feito com muita dedicação de todos. Isso quem ganha é quem vai ouvir, quem vai curtir, o público, os amigos, que vão perceber essa energia do que está sendo feito aqui.
Raízes do Mangue - Qual a proposta desse segundo álbum? Fala desta energia, o que pode esperar o público?
Eduardo Bid - Música negra, música africana, trabalhar a autoestima das pessoas. Do caso como Gilmar e Toca, os caras que conhecem isso através da música. Ter o lugar pra morar, ter a família, eles são muito exemplo para as comunidades, para os fãs e a responsabilidade deles é grande, e a gente trabalha com essa responsabilidade, sabendo disso, sabendo que a gente tem que caprichar muito e tem muito a ensinar e passar. Sabemos que a molecada vai ouvir e tirar alguma coisa disso, os ensinamentos, a autoconfiança, o não medo. O Combo no primeiro talvez teve um pouco de homenagem ao Chico, o que é natural, porque Gilmar foi o cara que Chico pegou lá no Lamento Negro pra formar a Nação Zumbi, então acho que ninguém mais que Gilmar com propriedade pra fazer isso. E já vem na linda canção do primeiro disco, do Rei Urbano. Esse já não é mais musicalmente, a letra já é outro caminho. O segundo álbum agora é, vamos fazer o caminho da Combo, musical, autoral, artístico. Eles estão preocupados em fazer música, em trabalhar, em sustentar a família deles, em serem bons exemplos pra molecada, sacou?
Raízes do Mangue - Como você sente em tocar na Combo e ao mesmo tempo produzir a banda?
Bactéria - Pra mim é um prazer enorme, falando em prazer, mais ainda por ter Bid como parceiro, desde a Mundo Livre S/A. Gilmar vem antes, desde o Afrociberdelia, que acho importante falar, um disco que marcou época, tem uma textura, um cheiro, divisor de águas. Bid já entrou ali na parceria com Gilmar e em seguinda, no ano de 1998 lançamos ''Carnaval na Obra'', onde foram quatro produtores, quatro irmãos né? Bid, Miranda, Edu K e Apolo. E o massa que eu me identifiquei muito com as mixs dele, com o jeito tranquilo de produzir, sem nenhum peso, essa coisa que ele falou do ego, desde aquele tempo que eu já vi que o cara era ''cabra da peste''. E ter Bid e ser aqui em Candeias, minha terra, meu bairro que é Barra de Janga, Gilmar que pra mim é um Luiz Gonzaga de Peixinhos, o cara tem uma responsa da porra, uma importância social para o bairro.
Raízes do Mangue - O que é o Combo X?
Bactéria - O Combo não é só mais uma banda, é uma resistência, não é nem um movimento, o movimento já teve, o que ficou foi a resistência, o Combo foi a resistência, resistência com vida, com arte, vida com beleza. O sacríficio que a gente tem é unir a irmandade. Como foi Bid vim pra cá, e pra que ele venha, tem que ceder muito, todo mundo tem que ceder. Abrir mão de cachê, de quanto realmente merece ganhar. Mas porque? Porque é um legado muito maior do que as pessoas imaginam. A música tem esse poder. Ou ela vai te dá milhões ou vai te dá milhões de histórias. E eu acho que a gente se encaixa nessa história de milhões, milhões de emocões, brodagem, barreiras. Uma história de milhões, mas não de dinheiro, porque dinheiro é capital e o capital já está aí pra todo mundo. Eu já vi meus heróis sendo vendidos e se vendendo. Aqui não, aqui é resistência, é diferente, somos ligados a terra, a música, a percussão. Acho até que a música veio da percussão, antes de qualquer teclado ou sintentizador, música é pele. O combo é essa resistência negra, da música negra, porque parece mentira, mas até hoje ainda existe o racismo. Só mudou a forma, mas o chicote ainda existe. Então cara, o Combo veio para acabar com esse chicote, acabar com isso, porque a música, ela sim, é onipotente, não o homem.
Reportagem: Almir Cunha / Foto: Rafaella Ribeiro