[Coluna] Bairros que contam histórias - Por Antônio Gabriel
Notadamente, a Região Metropolitana do Recife (RMR) tem muita história para contar. Pernambuco é considerado por muitos o berço do Brasil, seja no aspecto do colonizador, que por aqui se assentou para logo nos primeiros momentos, ou no aspecto cultural, tendo em vista que até os dias atuais tradições de amor à terra são repassadas de geração a geração. Com tamanha modernização e avanço nos últimos anos, a história do estado que muito permanece na sua capital e nas cidades próximas, tem passado despercebido aos olhos do pernambucano que perambula diariamente pela cidade que tanto ama. Seja através de edifícios antigos e de arquitetura exuberante ou de monumentos e patrimônios antigos, como o próprio Cais José Estelita.
Cada cantinho da RMR tem uma história para contar, e cada excerto ou linha adicionada forma a identidade real do nosso estado e da nossa cultura. Te convido a conhecer um pouquinho mais do passado dos principais bairros do Recife e de Olinda, numa viagem que será bem bacana. Logicamente, seria impossível contar falar sobre todas as localidades das duas cidades, mas aos poucos iremos contemplando todos eles.
Começaremos hoje pelos bairros da Madalena, Boa Vista, Casa Forte, Rio Doce, Peixinhos e o Chão de Estrelas.
MADALENA
Originalmente, as terras do Bairro da Madalena pertenceram a Duarte Coelho, que doou tudo ao seu cunhado, Jerônimo Albuquerque. No Final do século XVI, a posse do terreno passou para os seus filhos, que gradativamente venderam partes do local a várias pessoas. O trecho onde atualmente se localiza o Bairro pertenceu a Afonso Duro, que era casado com Madalena Gonçalves (daí o nome do Bairro), e no local fundou um engenho de açúcar, posteriormente vendido a João de Mendonça, que já era proprietário desde 1630. O Bairro era terreno fértil para a produção de açúcar, e o engenho se localizava no oitão da Praça João Alfredo, exatamente onde hoje funciona o Museu da Abolição, chamado anteriormente de “Sobrado Grande Madalena”. O casarão era ocupado na época do Império pelo conselheiro João Alfredo Correia de Oliveira. Por lá é conhecido o Mercado da Madalena, construído em 1925 para dar legitimidade a uma feira livre que por lá acontecia. Inicialmente era chamado de “Mercado Bacurau”, pois só funcionava à noite. A feira de pássaros, até hoje muito frequentada principalmente aos domingos, ao lado do mercado, também é uma tradição muito antiga dos comerciantes do local. Nos arredores do mercado também se encontrava o Sítio Sabiá, pertencente a família Valença, famosos pela forte presença na cena musical do Recife do século passado.
BOA VISTA
O Bairro da Boa Vista tem essa denominação por conta do Conde Maurício de Nassau. O holandês construiu um palácio as margens do Rio Capibaribe, na Ilha de Antônio Vaz, atual Bairro de Santo Antônio. Como apreciava muito a paisagem, Nassau assim nomeou “Schoonzit”, ou simplesmente Boa Vista. Durante a ocupação (1630-1654), os holandeses construíram algumas pontes no Recife. Elas favoreceram o surgimento de ruas importantes do centro da cidade, como a Rua Velha, da Matriz e da Glória, ou do Bom Jesus. Foi nesta última onde foi descoberto o primeiro Cemitério Judeu das Américas, dando origem a Sinagoga Kahal Zur Israel, também primeira das Américas. O Bairro também abriga o Parque 13 de Maio. Inicialmente pertencente a Ilha do Rato, um acidente geográfico flúvio-marinho, o terreno continha manguezais e terras alagadas não aproveitadas, e este local era popularmente conhecido como “Passeio 13 de Maio”. Desde aquela época, um projeto de construção de um parque já existia, e o mesmo incluía o jardim da Faculdade de Direito e as terras que vão desta Faculdade até a Ponte Princesa Isabel. Inaugurado somente em 1939, o 13 de Maio foi o primeiro parque urbano histórico da cidade do Recife, com cerca de 6,9 hectares e Burle Marx como arquiteto. Porém, em 1950, uma parte do parque foi utilizada para construir a Biblioteca Pública do Estado e mais quatro escolas. O Bairro ficou conhecido por concentrar muitos judeus fugidos da Segunda Guerra Mundial e a Praça Maciel Pinheiro era o reduto das famílias judias. A Praça também representa o “Coração do Recife”, pois dela partem ruas importantíssimas para a cidade até hoje, como a Manoel Borba, a da Imperatriz e etc.
CASA FORTE
O Engenho Casa Forte foi construído por Diogo Gonçalves depois de Duarte Coelho ter lhe cedido terras em meados do século XVI. O Engenho era movido a animais e era situado na margem esquerda do Rio Capibaribe, posteriormente chamada de Santana, onde era depositado o açúcar produzido e depois transportado pelo Rio até o mercado. O local teve vários proprietários e sucessivos nomes como: Jerônimo Gonçalves, Anna Paes, Isabel Gonçalves, Nassau, Tourlon e etc. Somente a partir de 1645 foi oficialmente chamado de Casa Forte. As casas e a capela do Engenho ficavam numa grande praça chamada de “Campina de Casa Forte”, onde fica hoje a Praça de Casa Forte. Foi neste local, no dia 17 de Agosto de 1645, que aconteceu o episódio conhecido como “A Batalha de Casa Forte”, em prol da libertação de senhoras pernambucanas presa pelos Holandeses na casa grande do Engenho de Anna Paes.A principal artéria do Bairro é a Avenida 17 Agosto, chamada assim em comemoração ao dia da vitória dos pernambucanos sobre os holandeses. Em 1810, o Engenho foi comprado pelo Padre José Inácio Ribeiro de Abreu e Lima, conhecido como Padre Roma, uma das grandes figuras da revolução republicana de 1817.A igreja em frente a Praça de Casa Forte quase ruiu devido a falta de cuidados com a estrutura originária de 1672. Porém, em 1909, ela foi restaurada. A praça foi repaginada pelo arquiteto Burle Marx.
RIO DOCE
Rio Doce é chamado dessa maneira por conta do Forte de Rio Doce, onde se concentrou a resistência portuguesa depois que Recife e Olinda caíram para os holandeses que desembarcaram em Pau Amarelo. Muitos classificam como uma linha de defesa improvida pelos lusos a fim de impedir o avanço do inimigo. Mas sem sucesso. Os Holandeses, guiados pelo senhor de Engenho Domingos Fernandes Calabar, se apoderaram da Vila de Igaraçu (atual Igarassu) e do Forte de Rio Doce.Atualmente é o bairro mais populoso de Olinda, e um berço cultural do estado. De lá vieram ilustríssimos personagens, como Chico Science, que revolucionou a música brasileira através do Manguebeat, e que dispensa mais comentários. Os jogadores Juninho Pernambucano, Chiquinho e Lúcio também nasceram no Bairro que mudou a história do estado.
PEIXINHOS
Tempos atrás, o Rio Beberibe dividia as cidades do Recife e de Olinda. Na época, a água do rio era cristalina e muitos peixes circulavam. Os pescadores da região constantemente se referiam ao Rio como “Rio dos Peixinhos”, daí o nome do bairro. Lavadeiras e crianças também aproveitavam o local. O povoamento do bairro, porém, começou somente com a construção do Matadouro Industrial de Olinda, no período de 1874 a 1919, e teve o encerramento de suas atividades no ano de 1970. É correto afirmar, portanto, que o povoamento do bairro se deu principalmente por conta da oportunidade de trabalho oferecido pelo Matadouro.
Vale ressaltar que outro marco bacana do Bairro foi a inauguração, em 1954, da fábrica Fosforita Olinda S/A, que contou com a presença do então presidente Juscelino Kubitschek. Hoje, Peixinhos é conhecido pelo comércio diversificado, mas as preocupações devido a forma desordenada de ocupação no Bairro causam muitas dores de cabeça, como em muitos bairros periféricos urbanos. Peixinhos é um dos locais mais populosos de Olinda, a falta de energia elétrica, pavimentação de ruas e espaços públicos comuns, é algo que salta aos olhos.
CHÃO DE ESTRELAS
De acordo com antigos moradores, Chão de Estrelas não passava de um grande manguezal, com inúmeros coqueirais na beira do rio e crustáceos. A prefeitura do Recife, ligada nos terrenos sem ocupação, tardou, mas construiu várias casas populares para o repasse posterior a moradores da beira do então cristalino Rio Beberibe, surgindo então a comunidade de Chão de Estrelas, dentro do Bairro do Campina do Barreto. O nome “Chão de Estrelas” é por conta dos altos coqueiros da região. Segundo moradores, quando o sol forte batia, a sombra dos coqueiros formavam enormes estrelas no chão. Vale ressaltar que a comunidade de Chão de Estrelas é lembrada no filme pernambucano Tatuagem, que ganhou o Brasil como um dos melhores filmes nacionais independentes dos últimos anos. Infelizmente, o Bairro atualmente é marcado por um enorme descaso dos órgãos responsáveis.